POR QUE LEVANTAMOS AS MÃOS QUANDO REZAMOS O PAI NOSSO NA MISSA?

POR QUE LEVANTAMOS AS MÃOS QUANDO REZAMOS O PAI NOSSO NA MISSA?

 

Desde a antiguidade, as mãos levantadas é a posição da Igreja, de todo batizado, quando se coloca em oração, como constatamos nas imagens das catacumbas. As mãos abertas é o gesto do orante. É o gesto mais primitivo do homem diante de Deus, encontrando-se em quase todos os cultos religiosos. Antes de tudo, as mãos abertas expressam um gesto de paz, uma expressão de “não-violência”, abertura, desejo e esperança. Para os cristãos, os braços abertos têm significado cristológico, eles lembram-se das mãos abertas de Cristo na cruz. Dessa forma, o gesto orante mais primitivo obteve uma nova profundidade com o crucificado. Abrindo os braços, queremos orar com Ele, unir-nos com os seus sentimentos (Fl 2,5). Nas mãos abertas incidem dois sentimentos: a adoração a Deus e o amor pelo próximo, gestualizando o conteúdo do primeiro mandamento, resumo da Lei e dos Profetas. A fusão desses dois significados indica, de forma visível e física, a profundidade da oração cristã. 

 

Feita essa primeira contextualização, afirmamos que de forma alguma o gesto de elevar as mãos no Pai nosso é restrito aos ministros ordenados. Na liturgia, os gestos não estão ligados às pessoas (padre, diácono, leitor...), mas ao ministério e às palavras que os acompanham. Portanto, quem diz as palavras, faz os gestos. Assim, o Diácono para proclamar o Evangelho se inclina e pede a bênção ao Bispo (ou ao Presbítero) presidente da celebração. Na ausência dele, o Presbítero, para o exercício do ministério da proclamação do Evangelho, faz o mesmo gesto diante do Bispo e diz as mesmas palavras. 

 

A oração do Pai nosso, já se atesta no Rito Romano desde o IV século. A partir de São Gregório Magno (+ 604), pela proximidade imediata com a Oração Eucarística, foi reservado ao sacerdote que o proferia “da mesma forma como rezou o cânon”. É da liturgia franco-romana do VIII século, a participação do povo na resposta “mas livrai-nos do mal”, em vigor na Missa Romana cantada até a edição do Missal de 1962. Somente em 1958 foi estabelecida a recitação comunitária da Oração do Senhor na celebração da Missa dialogada, e em 1964 estendeu-se também à Missa cantada. O Ordinário da Missa de 1969 prescreveu que o recitassem todos, povo e sacerdote, em todas as Missas. Logo, tendo migrada a Oração do Senhor, do sacerdote para o povo, migrou consigo o gesto que lhe é próprio, de braços erguidos. Portanto, o § 2 do artigo 6 da “Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fieis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes” de 1997, que diz “na celebração eucarística, aos diáconos e aos fiéis não-ordenados não é consentido proferir as orações e qualquer outra parte reservada ao sacerdote celebrante — sobretudo a oração eucarística com a doxologia conclusiva — ou executar ações e gestos que são próprios do mesmo celebrante”, não se aplica de jeito nenhum ao Pai nosso.

 

Ultimamente, no Brasil temos visto uma “tempestade” de informações equivocadas. A lógica que seguem é mais rubricista do que litúrgica-ritual, em particular, teológica-litúrgica. O rito nunca pode ser reduzido a formalismo, a exterioridade vazia, sem dimensão simbólica, sem suficiente atenção ao sentido que expressa e sem envolvimento afetivo. Na celebração sacramental da fé, todas as ações rituais-simbólicas sintetizam que na liturgia Deus e o homem, Cristo e a Igreja agem de forma contemporânea. O sacramento é totalmente ação de Deus e totalmente ação do homem. A forma do rito é determinante para a experiência de fé e para a vida da Igreja. Necessitamos viver uma forma que não seja autorreferencial, mas que nos introduza, de fato, no mistério celebrado e nos faça aproveitar da potencialidade da liturgia que requer adequada “inteligência sensível” e qualificada “sensibilidade inteligente”.

 

Encontramos no Missal para o uso no Brasil, duas traduções que permitem-nos identificar a expressão “com o povo”: “o sacerdote abre os braços e prossegue com o povo” e “o sacerdote, com o povo, abre os braços e prossegue”. O complemento “com o povo” entre vírgulas é um adjunto adverbial de companhia e “com o povo” sem virgulas é um adjunto adnominal. A preposição COM, inclusiva, tem o sentido de “junto”, assim o termo em questão diz respeito a um adjunto adverbial de companhia, que modifica o verbo e permite que este, mesmo estando no singular, para concordar com o sujeito simples, inclua o povo na ação de abrir os braços do enunciado analisado. Na fórmula original do latim: “extendit manus et, una cum populo, pergit”, vemos as vírgulas demarcando, sintaticamente, o termo “una cum populo”, ou seja, o adjunto adverbial de companhia (a vírgula deve ser utilizada em adjuntos adverbiais e não em adnominais). Portanto, o povo pode abrir os braços e prosseguir, com o sacerdote, a oração do Pai Nosso. A Oração do Senhor, por seu caráter litúrgico, nunca deve separar gesto e prece. Seguindo a dinâmica sacramental de toda a liturgia, une gesto e palavra de tal modo que se realize no corpo pessoal e no Corpo eclesial a dinâmica encarnatória da fé. 

 

Elevar os braços em direção a Deus é atitude filial, mais que sacerdotal. É sacerdotal enquanto decorrência da relação filial que se manifestou em Jesus, sobretudo na cruz. O prefácio da anáfora segunda diz que Jesus “estendeu os braços na hora da sua paixão, a fim de vencer a morte e manifestar a vida”. Na cruz, a humanidade de Jesus, do ponto de vista da filiação, alcança o vértice. É por isso que os Padres da Igreja interpretam a oração do Senhor como gesto que imita a cruz de Cristo. Orando o Pai nosso de mãos estendidas, nos associamos ao Filho amado de Deus. Nossa oração, hoje, coincide com a filiação de Cristo na cruz. O Pai que nos vê rezar de mãos estendidas, que nos ouve a chamá-lo pelo clamor da oração, contempla em nós o rosto do seu Filho que se entrega, escuta de nós a voz dele se confiando em suas mãos. 

 

Uma outra grande contribuição ao tema pode nos vir do Missal da Igreja da Itália. A Conferência Episcopal Italiana (CEI), na Precisão n. 81 (p. LIII), afirma: “Durante o canto ou a recitação do Pai nosso, excluindo-se gestos não correspondentes à orientação específica da oração dirigida a Deus Pai, pode-se ter os braços abertos; este gesto se faça com dignidade e sobriedade, num clima de oração filial”. Um particular é que esse missal foi aprovado diretamente pelo Papa. Essa precisão é índice de que tal gesto da parte da assembleia, de qualquer modo, pertence ao Rito Romano.

 

Dessa forma, nenhum livro litúrgico ou documento da Igreja proíbe os fieis de cumprirem o preceito bíblico de 1Tm 2,8 “Quero, pois, que todos orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem discussões. Reza a oração de vésperas da primeira semana da terça-feira: “aceitai bondoso, qual sacrifício vespertino, nossas mãos erguidas em oração, que confiantes vos apresentamos”. A elevação das mãos corresponde ao sacrifício vespertino, que é, no Ofício Divino, associação memorial ao sacrifício da cruz de Cristo. 

 

Enquanto Associação dos Liturgistas do Brasil, fazemos teologia e não damos opiniões ou achismos. O argumento de que o gesto pertence ao “sacerdote” não tem sustentação histórica, litúrgica nem tampouco teológica. Não deixemos nos “infantilizar” por argumentos religiosos que não correspondem à fé cristã e a tradição da Igreja de sempre. 

 

 

Associação dos Liturgistas do Brasil – ASLI 

 

 

 

 

 

 
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