PARA ACOLHER COM ALEGRIA, NA LITURGIA E NA VIDA, OS PRECEITOS DO SENHOR
Frei Luis Felipe Marques, OFMConv.
Durante muito tempo, a pastoral da Igreja - sobretudo antes do Concílio Vaticano II - enfatizou a obrigação moral de cumprir os preceitos (participar da missa aos domingos, confessar-se, comungar ao menos na Páscoa, etc.) como forma de garantir a fidelidade mínima à fé. Essa ênfase, embora necessária em determinados contextos históricos, acabou gerando uma mentalidade jurídica e exterior, em que a prática religiosa era vista mais como cumprimento de normas do que como expressão de um encontro vivo com Cristo.
Vivemos numa cultura marcada pelo imediatismo e pela superficialidade religiosa. Muitos fiéis reduzem a vida cristã a gestos pontuais - “ir à missa”, “cumprir o preceito”, “fazer a obrigação” - sem compreender o dinamismo interior da fé. Além disso, a linguagem pastoral nem sempre destacou a missa e os sacramentos como caminhos de comunhão e transformação espiritual. Quando a ênfase recai apenas sobre a “obrigação”, o fiel tende a buscar o mínimo necessário para “não pecar”.
Esse fenômeno tem como causa a falta de iniciação à vida litúrgico-sacramental e de formação espiritual e eclesial. Muitos cristãos nunca foram introduzidos ao sentido interior da liturgia, à oração pessoal e comunitária, à escuta da Palavra, ao silêncio e à contemplação. Sem essa experiência, o preceito acaba sendo percebido como um fim em si mesmo, e não como um meio de crescimento na comunhão com Deus.
Os preceitos litúrgicos, como recorda o Código de Direito Canônico, possuem não apenas valor jurídico, mas também profundo significado pedagógico e espiritual. Ao indicar ações cultuais como a santificação dos domingos e solenidades pela participação na Eucaristia, a Igreja conduz o fiel a configurar toda a sua vida à graça recebida. Assim, as celebrações dominicais e festivas, antes de serem um preceito, são um dom que Deus faz ao seu povo (cf. Desiderio Desideravi, 65). O cumprimento desse preceito torna-se um itinerário formativo que ensina a colocar Deus no centro do tempo, educa para a fidelidade e amadurece a fé, sendo expressão concreta da pertença e do amor filial ao Senhor, verdadeira escola eclesial e manifestação da liberdade cristã que forma o coração do discípulo segundo o Evangelho.
O desafio pastoral de hoje consiste em passar de uma pastoral centrada no cumprimento do preceito a uma pastoral do encontro vivo com o mistério de Cristo na celebração comunitária. O preceito mantém todo o seu valor como expressão objetiva da comunhão e do vínculo com a Igreja, mas deve conduzir o fiel a uma experiência mais profunda no caminho da salvação: ao amadurecimento da fé, à amizade com Cristo, à conversão do coração e à plena comunhão eclesial. Como recordou o Papa Leão aos servidores do altar da França, em agosto de 2025, “o cristão não vai à missa simplesmente para cumprir uma obrigação, mas porque necessita da Eucaristia, porque precisa crescer na fé e participar ativamente dos mistérios que celebra.”
SOLENIDADES E PRECEITOS
É importante recordar que, quando uma solenidade é transferida para o domingo, cumpre-se simultaneamente o preceito dominical e o da própria solenidade. Essa prática se fundamenta na natureza do domingo como “dia de preceito” (cf. cân. 1246 §1 do Código de Direito Canônico), e na norma litúrgica segundo a qual, ao ser celebrada em domingo, a solenidade assume o lugar da celebração dominical (cf. Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nn. 5 e 58). Assim, aqueles que participam da Missa vespertina no sábado, celebrada em dia de solenidade, já cumprem o preceito dominical, não sendo necessário participar novamente à Missa no domingo, pois o preceito é satisfeito com uma única participação.
Quando há coincidência entre um domingo e uma solenidade, é importante garantir a unidade e o sentido pleno da celebração litúrgica. Em geral, isso se alcança melhor aplicando-se à Missa vespertina o mesmo critério usado para as Vésperas: “Se, no mesmo dia, devem ser celebradas as Vésperas do Ofício do dia corrente e as Primeiras Vésperas do dia seguinte, prevalecem as Vésperas da celebração que ocupa o lugar mais elevado na tabela dos dias litúrgicos; em caso de igualdade, prevalecem as Vésperas do dia corrente” (cf. Normas universais sobre o Ano litúrgico e o Calendário, n. 61). O princípio geral para a celebração da Missa festiva de um dia de preceito antecipada na tarde anterior é o que se encontra no n. 28 da Instrução Eucharisticum mysterium.
Diante das necessidades pastorais de cada comunidade, cabe ao bispo diocesano indicar, no Calendário litúrgico da diocese, a prática que deve ser seguida. Essa orientação deve ser dada no início de cada ano e pode, por razões pastorais, ajustar ou adaptar as normas gerais, sempre buscando favorecer a participação consciente e frutuosa dos fiéis na celebração da Eucaristia (cf. Notitiae, v. 10, n. 93-94, p. 222, 1974).
No ano de 2025, uma situação particular se apresentou devido à coincidência das datas móveis: a Solenidade de Todos os Santos (1º de novembro) não pôde ser transferida para o domingo seguinte, como ocorre em alguns anos, pois este coincidiu com a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos (2 de novembro). De acordo com as Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário (n. 61), essa comemoração possui precedência sobre os domingos do Tempo Comum, o que impediu a transferência da solenidade. Contudo, o fato de não ter sido transferida não suprime o caráter de dia de preceito próprio da Solenidade de Todos os Santos, que permanece como obrigação litúrgica segundo o calendário universal da Igreja e a legislação particular da Conferência Episcopal.
Esse fato gerou grandes perturbações pastorais e morais nas mais diversas comunidades no Brasil nos últimos dias. Enquanto alguns afirmavam que a Solenidade de Todos os Santos não era dia de preceito, outros defendiam com convicção o contrário. Todos corriam atrás de documentos, declarações, notas, decretos e cânones para justificar o seu entendimento.
Entre as solenidades de preceito, além daquelas que possuem datas próprias (Natal; Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo; Santa Maria, mãe de Deus; Imaculada Conceição), a única solenidade que não foi transferida para o domingo é a de São José, Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria (19 de março), pois, situando-se sempre no Tempo da Quaresma, coincidiria com um domingo desse tempo, o que a impediria de ser celebrada. Por esse motivo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, conforme a faculdade prevista no cân. 1246 §2, dispensou o cumprimento do preceito em sua celebração, mantendo o caráter solene da festa, mas sem obrigatoriedade de participação na Missa.
Outro aspecto que merece ser recordado é que, conforme o Direito Canônico, cumpre o preceito de participar da Missa todo fiel que assiste à celebração eucarística realizada em qualquer lugar, desde que seja segundo o rito católico (cf. cân. 1248), e não necessariamente pela correspondência ao formulário litúrgico do dia. Isso se compreende facilmente, pois nos domingos do Tempo Comum é permitido celebrar missas rituais ou por diversas circunstâncias, conforme as normas litúrgicas e as orientações do bispo diocesano (cf. Cerimonial dos Bispos, p. 316; Guia Litúrgico-Pastoral, p. 41).
Mais do que justificar a participação por motivo de preceito, teria sido mais oportuno destacar a importância da celebração, o seu caráter pedagógico e a riqueza espiritual das duas propostas litúrgicas que a Igreja oferecia neste momento de ação de graças. Essa visão reduzida revelou, contudo, uma vivência litúrgica superficial e pouco gratuita, na qual a liturgia é celebrada não como expressão viva da fé e da comunhão eclesial, mas apenas como cumprimento de uma obrigação individual e moral. É um fato recorrente: a liturgia, fonte e cume da vida espiritual da Igreja, tem sido frequentemente reduzida ao mínimo necessário e empobrecida em suas múltiplas dimensões salvíficas.
POR UM NOVO DISCERNIMENTO LITÚRGICO
A transferência de uma solenidade para o domingo deve ser objeto de um novo discernimento por parte da Igreja no Brasil. Em tempos passados, quando o número de igrejas era menor e as longas distâncias dificultavam a participação dos fiéis na missa durante a semana, tal prática se mostrava compreensível e pastoralmente justificada. Hoje, contudo, com a maior disponibilidade de celebrações, a redescoberta das celebrações da palavra e a maior consciência da participação ativa na liturgia, convém refletir sobre a real conveniência dessas transferências.
É fundamental preservar o sentido próprio de cada solenidade dentro do ritmo do Ano Litúrgico e, ao mesmo tempo, valorizar o domingo como o verdadeiro “Dia do Senhor”, respeitando a continuidade das leituras e o uso dos formulários litúrgicos correspondentes. Talvez fosse mais adequado manter as solenidades em seus dias próprios, educando a comunidade a participar por fé e necessidade interior, e não apenas por obrigação. Alternativamente, poderia considerar-se a suspensão do preceito para aquelas que coincidirem com dias de semana.
Nossa reflexão, portanto, é urgente e necessária. É curioso notar que, ao longo da semana, quando se propõem práticas religiosas questionáveis e devoções de feição pouco cristã - muitas vezes permeadas por um espírito neopelagiano ou mesmo gnóstico, que alimenta um elitismo narcisista e autoritário, impregnado de “mundanidade espiritual” (Desiderio Desideravi, 17) -, as igrejas se enchem. No entanto, quando se trata das missas de preceito, muitos se encontram trabalhando, demasiado ocupados ou simplesmente não dispõem de tempo para participar das celebrações eucarísticas comunitárias. Por que, então, tantos se mostram disponíveis para participar de “missas” e celebrações alheias aos rituais da Igreja, enquanto resistem àquelas que constituem o coração da vida litúrgica, a ponto de se tornar pastoralmente necessário transferi-las para o domingo?
Quanto menor for a iniciação na experiência viva de Cristo, maior será o apego às rubricas e aos preceitos, porque falta o encontro com Aquele que não veio abolir a Lei, mas levá-la à plenitude. Efetivamente, a transferência das solenidades para os domingos compromete a formação litúrgica, alimenta uma fé ainda imatura e dependente, típica de quem não participa ativamente da vida eclesial, e, ao invés de formar consciências, tende a substituí-las.
Celebrar a liturgia não é apenas cumprir preceitos e observar rubricas - ainda que isso tenha seu necessário valor -, mas deixar-se conduzir pela fé, crescer na comunhão com Cristo e com a Igreja, e descobrir, em cada celebração, a graça que Deus derrama sobre o seu povo. Cada solenidade e cada domingo trazem um dom novo, uma intenção que a Igreja confia a seus filhos batizados, para que da ação litúrgica brote vida, santidade e salvação.
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