Exaudi nos & Quaesumus, omnipotens Deus As orações Sobre as oferendas e Depois da comunhão V Domingo da Quaresma Parte 2

Exaudi nos & Quaesumus, omnipotens Deus

As orações Sobre as oferendas e Depois da comunhão

V Domingo da Quaresma

 

II Parte

 

Quaesumus, omnipotens Deus

 

Observemos como se apresenta a Oração Depois da comunhão do V Domingo do Tempo da Quaresma na sua forma típica latina e a sua tradução portuguesa para o Brasil. 

 

2008MR

Quaesumus, omnipotens Deus, ut inter eius membra semper numeremur, cuius Corpori communicamus et Sanguini.

 

2023MRB

Concedei [Suplicamos], ó Deus todo-poderoso, que sejamos sempre contados entre os membros de Cristo, cujo Corpo e Sangue comungamos.

 

Discurso sobre as fontes

 

Para identificar “a história de vida” da nossa oração, os instrumentos são o primeiro ponto obrigatório de referência:

 

Br

BRUYLANTS, 942.

CO

Corpus Orationum, 4889.

 

            A Quaesumus, omnipotens Deus aparece pela primeira vez no Sacramentário/coleção de libelos Veronense. Trata-se de uma oração para depois da comunhão de um formulário de missa para o tempo de seca (Ver 1116: XXXII, [L.] De siccitate temporis, [Post communionem]). O Veronense serviu de base tanto para a tradição presbiteral, gelasiana, quanto para a tradição papal/episcopal, gregoriana.

            O Sacramentário Gelasianum Vetus, de tradição presbiteral, acolheu a nossa oração, colocando-a entre as orações do formulário para a segunda-feira da I semana da Quaresma (GeV 112: 1, XVII. Feria secunda in Quadragesimo, Post communionem), melhorando-a estilisticamente. Do GeV, a nossa prece passou para o Engolismense, um Sacramentário da família gelasiana do séc. VIII (Eng 313: LIIII. [In Quadragesima], Feria I, Ebdomada prima, [Oratio]):

 

Quaesumus, omnipoten deus.... cuius corpori communicamus et sangui[ne][m].

 

            O Sacramentário patavino, para adaptar o Gregoriano para uso titular/cemiterial, também acolheu a nossa oração, como parte do formulário para o sábado da IV semana da Quaresma (Pad 228: LIIII. [In Quadragesima), [Die Dominico vacat], Sabb[ato] ad

sanctam Susannam, Ad compl[endum]). Também aqui uma pequena correção estilística: 

 

Quaesumus, omnipotens Deus...cuius Corpori communicamus et Sangui[ni].

 

            Os outros ramos da tradição gregoriana a mantiveram como o patavino, : Tre 310: L. [In Quadragesima], [Die Dominico ad sanctum Laurentium forisMurum], Sabbato ad sanctam Susannam, Ad complendum; e GrH 254: 58. [In Quadragesima], [Die Dominico ad sanctum Laurentium foris Murum], Sabbato ad sanctam Susanna, Ad compl[endum])

            Do Adrianeu a Quaesumus, omnipotens Deus passou para o Missal de 1474 (1474MR 613: [Dominica tertia in Quadragesima), Sabbato, Statio ad s[an]c[t]am Susannam, po[s]t co[mmunio]) e dele para o Missal tridentino de 1570 (1570MR 885: Sabbato [post IlI Dominicam Quadragesimae], Statio ad sancta[m] Susannam, Postcommunio) mantendo-se assim até a sua última edição de 1962 (1962MR 675: Sabbato [post Dominicam III in Quadragesima], Statio ad S. Susannam, Postcommunio)

Os compiladores modernos tinham a oração diante dos olhos como se encontrava no Missal de 1962, para o sábado da terceira semana da Quaresma. Eles a remanejaram para o V Domingo da Quaresma, introduzindo, todavia, um ligeiro ajuste teológico por meio da palavra “semper”.

 

= 1970MR p. 217: Dominica V in Quadragesima, Post communionem.

= 1975MR p. 217: Dominica V in Quadragesima, Post communionem.

= 2000/8MR p. 256: Dominica V in Quadragesima, Post communionem.

= 2023MRB p. 206: 50 Domingo da Quaresma, Depois da comunhão.

 

Quaesumus, omnipotens Deus, ut inter eius membra [semper] numeremur, cuius Corpori communicamus et Sanguini.

 

Perspectivas teológicas

 

Essa oração, muito simples e linear, foi atribuída a São Leão Magno[1]. Nela motivação e pedido formam uma unidade inseparável. Ela é toda concentrada sobre um único pedido: a permanência no Corpo de Cristo. No Corpo eucarístico e no Corpo eclesial. Tal doutrina coloca em evidência a indissociável relação entre Cristo cabeça e Cristo corpo. A participação no Corpo de Cristo encontra a sua plenitude na concreta e ativa participação na manducação dos elementos eucaristizados do Pão e do vinho, transubstanciados em Cristo cabeça, como afirmou o próprio Cristo: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.” (Jo 6,56). Essa doutrina Paulo a manifesta quando afirma: “O cálice da bênção que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo? Porque há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo.” (1Cor 10,16-17) e “Quem come o pão ou bebe o cálice do Senhor indignamente será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo e, assim, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bene a sua própria condenação” (1Cor 11,27-29). 

Na expressão paulina “distinguir o corpo do Senhor”, se revela a relação entre comungar e ser contado entre os membros de Cristo, refletindo a unidade eclesial da Eucaristia. Não existem “dois corpos”, como recorda Santo Agostinho “Se sois o corpo de Cristo e seus membros, é o vosso mistério que está na mesa do Senhor: recebeis o vosso mistério.” (Ser 272). A doutrina agostiniana está fundamentada na tese eclesiológica paulina, segundo a qual “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação” (Ef 4,4). É exatamente o pão eucarístico, que tem como fim a formação do Corpo eclesial, que ao partir-se não divide, mas une: “Assim nós, embora muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada um, membros uns dos outros” (Rm 12,5), pois “Ele é a cabeça do corpo, da Igreja”. (Cl 1,18)

            De fato, assim se expressa a Prece eucarística:

 

OE II: Suplicantes, vos pedimos que, participando do Corpo e Sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo II.

 

OE III: ...concedei que, alimentando-nos com o Corpo e o Sangue do vosso Filho, repletos do Espírito Santo, nos tornemos em Cristo um só corpo e um só espírito

 

A Eucaristia, portanto, não é apenas um alimento espiritual, um ato pessoal e individual, mas um sacramento que incorpora os fiéis ao Corpo místico de Cristo[2]. Como recorda São Cirilo de Jerusalém “Participando do Corpo e Sangue de Cristo, tornamo-nos consanguíneos com Ele”. (Catequeses Mistagógicas, IV,3). Assim, entende-se a insistência do Concílio Vaticano II em fazer-nos compreender que a liturgia é ação comunitária, eclesial (SC 27). A “permanência” na graça eucarística, reforçada pelo adverbio “semper” na presente oração, corresponde ao permanecer em comunhão eclesial. Qualquer forma de negação eclesial, anula, portanto, a comunhão sacramental. Configurar-se espiritualmente a Jesus Cristo é assumir o rosto da Igreja, assim como ele se apresenta no hoje da nossa história.

Sem sobra de dúvidas, a Quaesumus, omnipotens Deus espelha a compreensão eclesiológica da Eucaristia, segundo a mentalidade dos Padres da Igreja. A profundidade dessa oração faz dela um compêndio da espiritualidade eucarística e da sua eclesiologia, um autêntico e evangélico convite para viver a comunhão não apenas no altar, mas eclesialmente, em toda a vida cristã.

 

 



[1] Cf. A. Paul LangLeo der Grosse und die Texte des Aligelasianums mit Berücksichtigung des Sacramentarium Leonianum und des Sacramentarium Gregorianum, Steyler Verlag, Steyl, 1957, pp. 89-93.

[2] Lembramos que a Eucaristia é o ponto culminante do grande processo iniciático chamado “batismo”.

 
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