COMEMORAÇÃO DO DIA MUNDIAL DOS POBRES
COMEMORAÇÃO DO DIA MUNDIAL DOS POBRES
No dia 16 de novembro deste corrente ano de 2025, 33º Domingo do Tempo Comum, por toda parte a Igreja Católica comemorou o “Dia Mundial do Pobre”.
Instituído pelo saudoso Papa Francisco através da Carta Apostólica Misericordia et Misera, publicada em 20 de novembro de 2016, no contexto do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o “Dia dos Pobres” vem se consolidando desde 2017 até nossos dias. Portanto, este é o 9º ano consecutivo em que o 33º DTC vem sendo caracterizado como ocasião oportuna para a sensibilização de toda a sociedade – não apenas dos cristãos – sobre a importância de ações solidárias para combater a pobreza e a exclusão social.
Bem sabemos que não basta apenas boa vontade e compaixão para mitiga as múltiplas formas de misérias e pobrezas que se proliferam mundo afora e excluem, à margem, incontáveis vítimas, notoriamente invisíveis para muitos. Da parte de todos, urgem ações concretas para, de fato, erradicar a pobreza e a exclusão social.
Naturalmente, por força do ofício, daqueles que possuem responsabilidade governamental e gerência das nações espera-se políticas públicas e a criação de sistemas de proteção social, sublinhados por projetos bem articulados que clara e objetivamente visem garantir a erradicação da pobreza e das exclusões, assegurando condições de vida plena a todos os cidadãos indistintamente. Convém iniciar pelo que tange às mais básicas necessidades humanas, tais como o direito inalienável à vida desde a concepção até o seu fim natural; à respiração saudável – que implica o cuidado com o meio ambiente, nossa “casa comum”; à alimentação suficiente; à moradia adequada; à saúde integral entendida nos aspectos físico, psicoemocional e espiritual; à educação como condição fundamental e um vetor essencial para o progresso individual e coletivo; à segurança; à liberdade de expressão; à justiça e igualdade, dentre outras tantas necessidades fundamentais, que devem ajustar-se em equilíbrio para garantir a dignidade humana e a capacidade de cada um florescer, desenvolver-se e realizar-se por completo.
Reconhecemos que, se por um lado essas necessidades estão longe de alcançar o seu ideal, por outro lado, em todo mundo, existe uma propulsão de ações governamentais, de organizações não governamentais (ONGs), de movimentos sociais e eclesiais que são faróis reluzentes de esperança em meio à tempestade das misérias que afligem o ser humano. Destacamos positivamente a elaboração de leis e constituições nacionais, os documentos sobre os direitos internacionais e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que protegem esses princípios éticos e valores irrenunciáveis. Razão pela qual, não obstante os desafios, é preciso prosseguir com entusiasmo nesta direção acertada e sem volta.
Como homens e mulheres de fé, encontramos em Jesus Cristo, o Divino Mestre, aquele que nos inspira pelo exemplo de sua vida a ser imitado. Tendo sido enviado ao mundo por Deus Pai, o Senhor centrou sua missão no compromisso para que “todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Esta missão persiste sendo um compromisso da Igreja, ou seja, do novo Povo de Deus, nascido das águas do batismo, que, na condição de discípula e apóstola do Senhor, recebeu a missão não somente para “salvar almas”, mas para profetizar e instaurar uma nova ordem, pela qual sejam “extirpados do mundo o pecado e suas sistêmicas estruturas”, que impiedosamente golpeiam e destroçam a vida humana, ferindo-a de morte fatal. É missão da Igreja cooperar com a ação da graça divina para que o mal seja vencido e, na terra, se estabeleça o “Reino de Deus e sua Justiça” (Mt 6,33-34) como condição para que haja vida plena para todos e se manifeste já, aqui e agora, um mundo novo, pacificado pelo amor.
Para que esta tarefa seja levada a termo, é indispensável que todos os cristãos se associem aos homens e mulheres de boa vontade (tenda ampliada!) com o intuito de, juntos, promoverem ações concretas para a superação de tudo o que origina as situações de misérias e de suplício humano, cuja raiz mais danosa está na indiferença em relação à dor alheia e no egoísmo do coração avarento, que retém nos próprios celeiros os frutos que, sendo dádiva divina, se destinam ao bem comum e não podem jamais restringir-se ao indivíduo como se fosse um bem privado.
A insistência para que, na liquidez das relações efêmeras, superficiais e individualistas, se consolide “a cultura da vida e do cuidado solidário” é um imperativo irrenunciável do cristianismo autêntico, que se contrapões à lógica do “uso-descarte” e desafia de frente a superficialidade do mundo moderno. Por isso, é fundamental diagnosticar e combater as causas da miséria, visto que a erradicação da pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável são um dever universal inegociável e a base de uma sociedade mais justa e equitativa. Exige-se um esforço contínuo para promover valores sólidos de valorização da vida e apoio mútuo. Neste caso, para os cristãos, a fé recebida da Igreja não é apenas uma crença abstrata, mas torna-se real e até empiricamente manifesta pela evidência das obras de caridade, como consequência irrefutável da vida conduzida pelo Espírito (cf. Mt 22,39; Tg 2,26). Sendo a miséria um fenômeno complexo e multifacetado, tem raízes em diversas áreas e seu combate exige uma abordagem abrangente e integrada à luz do Evangelho da vida. Em suma, a pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, possui uma dignidade inviolável; por isso vemos a miséria e a pobreza extrema como uma vergonhosa afronta desta dignidade e estúpida violação dos seus direitos fundamentais.
Um dos passos importantes neste processo é reconhecer e assumir como própria a dor e os sofrimentos alheios. Essa é condição para que, a partir da conversão do coração e das estruturas, se efetive o ideal de um progresso social e de renovação profunda da ética dos costumes, que priorize o “ser” em detrimento do ter, num ininterrupto movimento para que sejam superadas as desigualdades e as injustiças presentes e escandalosamente visíveis nas práxis da lida diária.
Num cenário onde contrastam as opulências da luxúria e as humilhantes misérias que afligem as pessoas, é preciso assumir os mesmos sentimentos expressos pela compaixão de Cristo (Fl 2,5). Ele jamais foi conivente com o abandono dos pobres e nunca os deixou indiferentemente relegados à margem; antes, acolheu-os com amor radical para incluí-los no seio da comunidade, restaurando neles a sua dignidade incondicional de quantos devem ser reconhecidos como irmãos, filhos amados de um só Deus e Pai de todos (Mt 23,8). Obviamente, isto implica conversão também estrutural nas relações sociais, econômicas, políticas e religiosas, ou seja, uma mudança paradigmática, sem a qual não se pode idealizar um mundo de diálogo, justiça e paz, onde todos sejam respeitados e tenham seus direitos garantidos para viver em harmonia.
Reconhecer e assumir como própria a dor e os sofrimentos alheios é condição para a que aconteça a conversão em todos os âmbitos e se deem passos acertados rumo à uma efetiva transformação social. Insisto: é urgente diagnosticar e combater as causas da miséria, do abandono, do descaso, da indiferença e da opulência injusta deste mundo em que vivemos, o que exige um esforço global, realmente sinodal. Santa Teresinha do Menino Jesus afirmou: “Se a dor do outro não doer em mim, eu desconheço o amor”. Far-nos-á bem deixar ressoar em nós este convite da “pequena via”, que remete à empatia, à capacidade de conectar-se com o sofrimento alheio, como um pilar fundamental do mais genuíno e verdadeiro amor, que se expressa por uma compaixão ativa. Isto me faz lembrar a belíssima canção do Pe. Zezinho, intitulada “Balada da Caridade”, que propõe a seguinte indagação: “(...) Como posso ter sono sossegado, se no dia em que passou os meus braços eu cruzei? Como posso ser feliz se ao pobre, meu irmão, eu fechei meu coração, meu amor eu recusei?” Auxiliem-nos nesta reflexão as palavras do apóstolo Paulo: “(...) ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos (...) se não tiver amor, nada disso me adiantaria” (1Cor 13,3).
Antes de tudo, sensibilizemos o nosso próprio coração e façamos nossa a causa do pobre desvalido que está à nossa porta mendigando atenção. Combatamos incansavelmente as raízes da miséria e da pobreza, favorecendo e promovendo a cultura da vida e do encontro solidário, que nasce do amor fraterno que devemos para com todos, pois a Escritura nos ensina: “Não deveis coisa alguma, a não ser o amor” (Rm 13,8). Tenhamos presente na mente e no coração as palavras do Senhor sobre o juízo final, no qual Ele proclama “benditos ou malditos do Pai” aqueles que fizeram ou deixaram de fazer o bem, expressando amor ou desamor para com os necessitados, com os quais Cristo mesmo se identifica e se faz presente no meio de nós (cf. Mt 25).
Há muito a ser feito: desenvolver e amadurecer a consciência sócio-política como via legítima e indispensável para a efetiva transformação social, capaz de superar a alienação e a naturalização das desigualdades, reconhecendo-se corresponsável no processo; valorizar e participar voluntaria e filantropicamente de instituições beneficentes, pastorais e movimentos comunitários, cujos objetivos se fixam no acolhimento e cuidado dos mais debilitados e desvalidos da sociedade, incluindo a emergência do pronto auxílio a quantos padecem tribulações etc.
Para quem tem a coragem de amar, ilimitadas são as formas de praticar evangelicamente a misericórdia, indo muito além daquelas clássicas obras materiais e espirituais oriundas da espiritualidade cristã. O amor genuíno e altruísta implica sair da zona de conforto, abrir-se às necessidades do próximo e, não raro, sacrificar tempo, recursos e até o bem-estar pessoal. Inspira-nos e contagia o exemplo de “Santa Dulce dos Pobres” e tantos outros homens e mulheres (anônimos e canonizados) que tiveram a coragem criativa de amar! Este impulso do amor em ação tem o poder inimaginável de transformar “um galinheiro” em um “hospital!” Quem é generoso e prestativo deixa-se mover pela compaixão e, embora tenha tão pouco para si mesmo, determina-se a compartilhar tudo o que possui com os mais pobres, que se encontram em situações de vulnerabilidade e mais precisam de apoio. Ignoram a falta de recursos e as oposições, conseguindo ver potencial onde ninguém mais aposta. Quem deseja “fazer o bem sem olhar a quem”transluz pelo desapego e humildade, silenciosa e criativa; afinal, a caridade não faz barulho (Mt 6,3-4). Movido por esta disposição que vem do coração generoso e prestativo, “permanece para sempre o bem que fez” (Salmo 111,3) e é cumulado de todos os bens. Outra motivação encontramos em Santa Teresa de Jesus, que fez coisas grandiosas fiada em sua convicção: “Quem a Deus tem, nada lhe falta: só Deus basta!”. De fato, somos fortalecidos em meio aos desafios, pois não podemos nos esquecer de que “há maior alegria em dar do que em receber” (At 20,35). Isto nos faz entender que a bem-aventurança não está em acumular para si mesmo, mas em dar de si mesmo como expressão vivencial do amor maior que se abaixa para servir (cf. Jo 13).
Para finalizar esta reflexão, sirvo-me das palavras do Papa Leão XIV, que, em sua mensagem para o “Dia mundial dos Pobres”, afirmou:
“Os pobres não são objetos da nossa pastoral, mas sujeitos criativos que nos estimulam a encontrar sempre novas formas de viver o Evangelho hoje. Diante da sucessão de novas ondas de empobrecimento, corre-se o risco de se habituar e resignar-se. Todos os dias, encontramos pessoas pobres ou empobrecidas e, às vezes, pode acontecer que sejamos nós mesmos a possuir menos, a perder o que antes nos parecia seguro: uma casa, comida suficiente para o dia, acesso a cuidados de saúde, um bom nível de educação e informação, liberdade religiosa e de expressão. (...) Com efeito, ajudar os pobres é uma questão de justiça, muito antes de ser uma questão de caridade” (Cf. Leão XIV. “Tu és minha esperança, ó Senhor Deus”. Mensagem para o 9º Dia Mundial dos Pobres, publicada em 13 de junho de 2025).
Em oração, peçamos a Deus que nos dê sempre olhos abertos e sensibilidade para que nos comprometamos com a superação de todas as misérias e possamos cooperar incansavelmente para que na terra se estabeleça o Reino de Deus e sua Justiça. Que, através de cada um de nós, ecoe no mundo a imensa caridade do Coração de Jesus e, entre nós, não haja nenhum necessitado! (cf. At 4,34-35).
Pe. José Adalberto Salvini,
Presbítero da Diocese de Jaboticabal.
