A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DO DIÁLOGO LITÚRGICO

A MÚSICA COMO EXPRESSÃO DO DIÁLOGO LITÚRGICO

Anderson Cata Preta*

INTRODUÇÃO

A prática musical no espaço religioso católico é um exercício muito presente. De forma direta, é preciso compreender que o culto católico celebrado possui características e fundamentações na história do cristianismo. Estáfundamentado nos escritos e relatos históricos durante os séculos: baseado no livro da Bíblia, em suas constituições dogmáticas assumidas por um magistério da própria instituição e ensinamentos de diversas autoridades da própria Igreja Católica. Vale destacar também, como uma ação de relação entre os presentes que promove também um evento social.

Assim como ação de graças e sacrifício não se excluem, a música não se separa do diálogo e essa forma comunicativa e celebrativa, fica mais clara sendo usada pelo veículo artístico da música. Valoriza-se o que é orientado para o culto: “[...] parte necessária ou integrante da liturgia solene” (CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1963, §112).

A COMUNICAÇÃO FACILITADA

A arte musical é rica em possibilidades de comunicação, sendo um veículo potente para atingir objetivos tanto no cotidiano, quanto na prática religiosa. Enquanto arte e expressão, considero o apontamento de Bruscia de que:

 

[...] a experiência musical por sua própria natureza constrói e é construída sobre relações de todos os tipos. A música traz unidos ritmo e palavras, palavras e melodia, melodia e harmonia, um tema com outro tema, uma voz com outra, solista com acompanhamento, apenas para nomear algumas relações. Dentro da pessoa, essas relações conectam a música com emoções, música com a vida de alguém e com seus entes queridos. Ela integra corpo, mente e espírito. Conecta pessoas numa miríade de relacionamentos e as ancora em suas sociedades e culturas (BRUSCIA, 2016, p. 69).

 

E toda esta poderosa ação da arte musical, ainda no pensamento de Bruscia, proporciona “[...] experiências unitivas nas quais a pessoa perde as fronteiras do eu, transcende a si mesma, e se mescla ou se torna una com a música,consigo mesma, com seus cônjuges, comunidade, cultura, natureza, o universo ou toda a humanidade” (BRUSCIA, 2016, p. 145).

Diante da proximidade e relação musical do indivíduo, adentro na relação peculiar da música e liturgia que, no apontamento do Papa Bento XVI sobre esta colaboração artística em vista da comunicação da resposta do homem para com a mensagem divina, são mostradas com unidade histórica. Tendo “o cantar, que justamente supera o modo habitual de falar, é, como tal, um evento pneumático (RATZINGER, 2015, p. 118), como Papa afirma que:

 

[...] desde o instante em que o homem quer louvar a Deus, a simples palavra não mais lhe basta. Falar com Deus está para além dos limites da linguagem humana. Assim, o homem sempre recorreu à música, ao canto e aos sons dos instrumentos, vozes da criação. (BENTO XVI, 2017, p.75).

Essa relação secular de música e ação ritual é vista e compreendida como muito útil para que a comunicação seja facilitada e clara. Relação comum e que vemos na própria história da liturgia cristã com relações em diversas áreas, não apenas com a música. que, tendo o revestimento da arte para ser usado no rito romano, se potencializa.

TIPOLOGIA DA MÚSICA RITUAL QUE FAVORECE O DIÁLOGO

A música contribui e favorece a resposta dos fiéis dentro do culto e isso cria um diálogo musical. Todavia, qual é a forma e quais atribuições dentro desta forma evidenciam e favorecem ao acontecimento da prática musical dentro doritual? Trata- se de um assunto amplo que futuramente poderá despertar novas pesquisas, para promover práticas dentro do espaço sagrado. Porém, neste momento, a ideia é apresentar a relação da forma com a prática musical.

A forma musical exige uma estrutura, que passa por conceitos de ritmo, melodia, harmonia entre outros. Estes elementos irão provocar reações em seus ouvintes, a menos que estes possuam patologias que impeçam isso, como a amusia, por exemplo. No âmbito da filosofia, compreende-se que “[...] o ritmo e a harmonia penetram mais profundo na alma e afetam-na mais fortemente, trazendo consigo a perfeição e tornando-a perfeita” (SILVA, 2017, p. 167). Esta forma está relacionada no cotidiano pela sua singularidade, considerando que na frequência e vibração da música, encontramos tensões, conflito e na melodia um curso para a resolução. Na vida, “a música acompanha boa parte do nosso quotidiano. Não enche somente as pausas da diversão e do repouso, mas constitui o pano de fundo quase quecontínuo de todas as formas de atividade e de trabalho” (ABBAGNANO, 1989, p. 265). Concluindo sobre a relação da forma com a vida:

 

[...] a obra de arte não tem uma finalidade prática, mas possui um sentido que nela a essência das coisas e a vida íntima da alma do artista e da alma humana se projetam de um modo límpido e sincero. Ela deve ser o reflexo da beleza da verdade. A finalidade prática é o alvo do esforço, os trabalhos e da ordem; o sentido é o conteúdo da existência, da existência que floresce e se desenvolve. (GUARDINI, 1942, p. 77).

 

Visto a forma em comum com a realidade, adentramos na celebração do culto católico, olhando para as contribuições da forma musical para com o culto. A forma musical também no culto, vai colaborar com a mensagem, sendo facilitadora dessa, a saber:

[...] uma celebração sem canto é considerada uma celebração morta, apagada, desanimada. O Canto,ao contrário, anima, desperta,  vida. Além disso, tem o poder de unir as pessoas juntando nossa voz à voz dos irmãos e das irmãs, ao ritmo dos instrumentos, vai se criando em nós uma abertura e uma consciência maior de pertencermos uns aos outros. Também nossa relação com o Senhor é facilitada pelo canto; nossa oração torna-se mais profunda, mais fervorosa. (BUYST, 2007, p. 66).



Para o rito celebrado no Brasil, compulsa a compreensão e desenvolvimento dessa tipologia musical com o culto. Um cuidado de muitos anos, estimulado pelo Concílio Vaticano II e retomado pelas conferências episcopais latinas, que consideram “[...] do ponto de vista litúrgico-musical, seguindo as instituições de Medellín, urge recuperarmos nosso jeito de fazer música, ou dito de outra maneira, nossa maneira musical de construir o humano no contexto celebrativo” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2017b, p. 88).

 

 

Referências Bibliográficas

ABBAGNANO, N. (1989). A sabedoria da vida: cada dia a procura da felicidade.

Tradução: Antônio Angonese. Petrópolis, Brasil. Editora Vozes.

BENTO XVI, Papa (2017). O espírito da música. Tradução: Felipe Lesage. Campinas, Brasil. Editora Ecclesiae, 1ª Edição.

BRUSCIA, K. E. Definindo musicoterapia. Tradução: Marcus Leopoldino. 3. ed. Dallas, EUA. Barcelona Publishers, 2016.

BUYST, I. (2007). Liturgia de coração. Espiritualidade da celebração. São Paulo, Brasil. Paulus, 2ª Edição.

CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1963). Sacrossactum Concilium: Constituição sobre a sagrada liturgia. Tradução: Francisco Catão. São Paulo, Brasil. Paulinas, 11ª Edição (2011), 10ª reimpressão.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Liturgia e Profecia: 50

anos de Medellín. Brasília, Brasil. Edições CNBB. 2017b.

GUARDINI, Romani. (1942). O Espírito da Liturgia. Tradução: F. A. Ribeiro. Rio de Janeiro, Brasil. Edições Lumen Christi.

MARTINS FILHO, J. R. F. (2019). A música como rito: aspectos teológicos e pastorais. Curitiba, Brasil. Editora Brazil Publishing.

RATZINGER, Joseph. (2015). Introdução ao Espírito da liturgia. Tradução: Silva Debetto C. Reis. São Paulo, Brasil. Edições Loyola, 4ª Edição.

SILVA, F. M. (2017). A república de Platão: Introdução à filosofia. 1 ed. – Guarapuava: Apolodoro Virtual Edições.

WEBER, J. (2016). Canto litúrgico: forma musical, análise e composição. Coleção Liturgia e música. São Paulo, Brasil. Paulus.

 

*Especialista em práticas musicais para espaços religiosos brasileiros. Email: andersoncatapreta@yahoo.com.br

 

 

 
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